Filosofia

Para que serve viver?

Foi depois de muito esforço em me tornar uma pessoa de sucesso e alcançar todos os meus objetivos que descobri uma coisa muito curiosa. Algo desconcertante, que meus objetivos tinham sido coisas aleatórias, escolhidas quase que sem querer, por sugestão de livros que eu havia lido, assim como poderiam ter sido outros livros, com outras sugestões.

Reparei que estive por anos em busca de uma miragem, de uma ilusão, que por fim se mostrou tão inútil, como também exagerado, minha energia e sonhos dedicados a um caminho sem saída, um beco com uma casinha simples no final, depois de ter passado por muitas avenidas com mansões, com carrões, com promessas de um mundo incrível, de quão incrível eu mesmo me tornaria ao final da jornada, acabei me deparando com esta casinha no final da rua, uma casinha azul, de madeira, simples e tão cheia de significado ao mesmo tempo.

De todos os livros sérios que eu li, me vi compelido a dar uma olhada em outro mais simples, sem importância aparentemente, o pequeno príncipe, um livretinho de nada, mas quanto significado dentro dele…

O rei que mesmo sem poder mudar nada, continuava dando ordens na ilusão de controle, o vaidoso que se comprazia em ser admirado, só assim ele podia esquecer do próprio vazio, o bêbado que bebia para esquecer da vergonha que sentia por ser um bêbado, do lanterneiro que continuava acendendo e apagando a lanterna mesmo depois de isso não fazer mais sentido, só por que sempre foi assim, era o regulamento, e o mais insano de todos, o homem de negócios, que contava e recontava as estrelas, não por admira-las, mas pela ilusão de as possuir.

Eu sou todos estes tipos, um misto deles, logo eu que me esforcei tanto, acendi e apaguei a lanterna tantas vezes apenas pela vergonha da possibilidade de não faze-lo, para que todos me admirassem e ouvissem minhas sábias palavras, e as obedecessem por serem tão sabias. E como alguém poderia contesta-las pois a prova está aí, já recontei muitas vezes tudo que agora é meu, minhas riquezas que não tem utilidade, a não ser a de aumentar ainda mais a mesma loucura.

A melhor coisa do mundo não é aquela salinha aquecida no dia de inverno? A pessoa amada, o bichinho amoroso, a criança de olhar brilhante que reflete sua alma pura?

Então é melhor não fazer nada, já que tudo leva a uma ilusão, não é?

Esse príncipe puro, até ingênuo, entra suas pérolas de sabedoria, sem nunca pensar que sejam pérolas e nem que são dotadas de sabedoria. Diz ele que o valor de fazer algo é sua utilidade para outro ser, utilidade, mas e se for essa utilidade inútil, igual a minha que acabei de relatar?

Não quero aqui despejar teorias, por que não queria mais ser o rei, ou o vaidoso. Provavelmente escrevo este livro por minha própria necessidade de aplausos, mas puro mesmo só o príncipe, ainda assim vou continuar, e quem sabe vou me livrando dos penduricalhos e sujeiras ao longo do exercício.

Uma coisa é quase certa, o que é melhor do que coisas que não é nada certa. A humanidade já teve muitos homens como o pequeno príncipe, homens que os outros homens admiraram e lhes conferiram grandeza, enquanto eles mesmos conferiam esta grandeza ao simples. Esse simples chamado as vezes de divino, as vezes de mágico, e as vezes até mesmo de natural.

A natureza é natural, os reis, vaidosos, bêbados, geógrafos, lanterneiros e homens de negócios são inventados, como diria Kalil Gibran, o real é silencioso, o inventado… bom isso é diferente, cheio de talvez e serás…

Olhe para o rosto da pessoa amada, o brilho dos olhos, sua alma aparente através do único nervo nu que são os olhos, essas palavras que usei para descrever a beleza, acabaram de a deformar. Por isso o simples, o natural, já que pode ser percebido, intuído, é um símbolo vivo da beleza, sem necessidade de explicação.

E quão rápido se esvai a inspiração, a força de vontade, a visão pura. Um lampejo e já estou satisfeito. Será que já é o suficiente para ser admirado? Será que já ganharei notoriedade, visto que demonstrei ainda que brevemente o que sou capaz de ver, minha grande inteligência.

Doce armadilha, sempre a disposição, a cada curva do caminho, nos convidando a parar por um instante e nos inebriar com tudo que já percorremos, todos os lampiões que já acendemos, mapeamos tudo que é importante… Importante? E quanto ao puro, beleza, natural e mágica? Ah isso não podemos encerrar dentro de um recipiente de palavras, e talvez por isso usou-se símbolos para expressar as verdadeiras pérolas da vida, ao longo de toda história, nós geógrafos e homens de negócios desprezamos os mitos e os símbolos e decidimos ficar com o óbvio, que pode ser medido e mostrado como um troféu para sermos aplaudidos e obedecidos por nossa grande luta metódica de acender e apagar lampiões.

Merecemos tudo que temos, ainda que o que temos seja apenas um punhado de areia, já que encontrar a pérola além de dar muito trabalho, não pode pertencer a ninguém, nem a mim. Então porque se dar ao trabalho… tudo por nada?

E por acaso em busca de tudo não acabei de perceber que este tudo na verdade era o nada e que o nada pode ser tudo? Esse tudo real, tudo que não é de ninguém, que não se pode guardar, nem contabilizar. A não ser na nossa memória.

Será que para os sábios a memória é o bem mais valioso? Será a memória laços invisíveis muito mais reais do que qualquer propriedade? É o que parece, mas se for assim, vai ser tão fácil ser natural e puro. Não vai ser preciso tanto esforço para conquistar o mundo. Como nos enganamos, confundimos tudo, e depois confundimos o que tínhamos confundido, demos valor ao que nem existe, a uma mera ilusão que nós mesmos criamos, que criaturas tristes nos tornamos, correndo atrás do próprio rabo. Pelo menos o cachorro sabe que o rabo é um rabo, ainda que possivelmente não saiba que é próprio rabo.

Não se tem mais tempo, muitos compromissos, muito a provar, provar para quem, ei mas espere um pouco, se todos querem provar quem é o avaliador, quem é o que irá observar e validar tudo? Ao que parece ninguém, já que todos estão ocupados e provar-se valorosos. Que perigo se alguém perceber isso e resolver se aproveitar deste engano que nos metemos, mas será que se alguém notar, em vez de avisar sobre o engano, vai escolher se aproveitar disso? Tornar pessoas suas escravas? Não quero pensar nisso, pelo menos o rei queria o melhor para seus súditos.

Te amo filho, te amo esposa, te amo mãe, te amo pai, te amo mestre, te amo deus. Só o que peço é clareza, amor, beleza e bondade.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *